A angústia lacaniana e a hipermodernidade

Retomemos O seminário - Livro X: A angústia, de Jacques Lacan, na perspectiva de leitura que Jacques-Alain Miller introduz nas seis últimas aulas do seu curso da Orientação Lacaniana de 2003-4.

Podemos dizer que há, no Seminário X, primariamente uma angústia transfenomênica, constituinte, cujo paradigma é a angústia do nascimento, que produz, de um modo “quase natural”, órgãos de gozo, cortando, separando e fragmentando o gozo maciço de das Ding. 

O sinthoma no sintoma

Se nos orientamos na lógica da cura, podemos dizer que a entrada em análise se dá pelo sintoma, a “saída” pelo atravessamento da fantasia fundamental, e que, paradoxalmente, há um além do atravessamento da fantasia, que implica, como nos ensina Miller, “a confrontação do analista com o Sinthoma” (confrontação não é desejo do analista). Portanto, no além do atravessamento da fantasia, há um além do discurso analítico. Um além daquilo que sustenta o discurso analítico, ou seja, o desejo do analista. O que implica um além do estatuto ético do inconsciente e, com isto, um além do sujeito como descontinuidade na cadeia de determinações. Isso quer dizer não só um além do sujeito como questão, mas também da suposição de resposta que o sujeito como questão abre. Em outros termos, um além do Sujeito Suposto Saber. Resumindo: um além dos efeitos de verdade mentirosa que o trabalho do analisante, em transferência, produz. Tudo isto implica, como consequência, um além da clínica psicanalítica, à medida que esta é definida, por Freud, por Lacan e acentuada por J.-A. Miller, nos começos dos anos 80, como uma clínica sob transferência. 

Em defesa da pornografia

Na história da humanidade sempre encontramos representações sexuais, e até mesmo eróticas, as quais promovem o desejo e a sensualidade. Mas a pornografia como “categoria legal e artística” é um fenômeno característico do Ocidente, manifestando-se em certos lugares da Europa num tempo determinado. Tal como hoje se nos apresenta, a pornografia apenas se consolidou entre finais do século XVIII e começos do século XIX. Não obstante, esta consumação da pornografia como prática literária e visual, posterior à Revolução Francesa, tem uma história que a antecede.

Está história, que se confunde com a história da modernidade ocidental, atravessa o Renascimento, a revolução científica do século XVII, o Iluminismo e a Revolução Francesa. Ela é determinada por um elemento fundamental, i.e., o avanço técnico que permite, a partir do Renascimento, não apenas a impressão de textos e imagens, senão também a obtenção destes últimos pelas grandes massas. É também importante ressaltar que “os autores e gravadores pornográficos surgiram entre os hereges, livres-pensadores e libertinos de reputação duvidosa, que ocupam uma posição inferior entre os promotores do progresso de Ocidente”.

Do que vemos ao que nos olha

O que vemos e o que nos olha em Jacques Lacan

É importante ressaltar que nos anos trinta, muito antes do começo de seu ensino, Jacques Lacan inaugura a sua entrada na psicanálise formalizando o conceito freudiano de narcisismo a partir de uma experiência escópica: o estádio do espelho. 

O estádio do espelho, que se desenvolve entre os 6 e os 18 meses das crianças, ocorreria quando a criança, “numa idade em que, por um curto espaço de tempo, mas ainda assim por algum tempo, é superada em inteligência instrumental pelo chimpanzé, já reconhece a sua imagem no espelho”. Este reconhecimento é efeito do dinamismo libidinal que a sua própria imagem produz; mas devemos entender este processo, não como um mero reconhecimento, senão como uma identificação “no sentido pleno que a análise atribui a esse termo, ou seja, a transformação produzida no sujeito quando ele assume uma imagem”.