O que vemos e o que nos olha em Jacques Lacan
É importante ressaltar que nos anos trinta, muito antes do começo de seu ensino, Jacques Lacan inaugura a sua entrada na psicanálise formalizando o conceito freudiano de narcisismo a partir de uma experiência escópica: o estádio do espelho.
O estádio do espelho, que se desenvolve entre os 6 e os 18 meses das crianças, ocorreria quando a criança, “numa idade em que, por um curto espaço de tempo, mas ainda assim por algum tempo, é superada em inteligência instrumental pelo chimpanzé, já reconhece a sua imagem no espelho”. Este reconhecimento é efeito do dinamismo libidinal que a sua própria imagem produz; mas devemos entender este processo, não como um mero reconhecimento, senão como uma identificação “no sentido pleno que a análise atribui a esse termo, ou seja, a transformação produzida no sujeito quando ele assume uma imagem”.
A assunção desta imagem não só constituirá o eu enquanto projeção imaginária, como também o determinará com a função de desconhecimento. Isto deve-se a que, pela imagem que o espelho lhe devolve, acredita ter uma unidade que não se condiz com a prematuração de seu corpo real, que se encontra na impotência motriz e na dependência da amamentação.
Esta constituição narcísica do eu é a que determina o caráter imaginário do eu e do mundo humano. Ou seja, o estádio do espelho tanto determina uma relação especular com nosso semelhante quanto dá a estrutura ontológica do mundo humano. Por isto, a nossa relação com o semelhante e com o mundo é de amor ou ódio. Será de amor se o outro e a realidade sustentam o nosso eu, devolvendo-nos como imagem especular o que desejamos; caso contrário, será de ódio.
Esta pequena introdução do estádio do espelho nos enseja algumas reflexões sobre das primeira idéias que Lacan se faz do registro imaginário na sua dependência do campo escópico. Embora ainda não disponha da oposição entre o ver e o olhar, posto que a formula nos anos 60, já estão presente em Lacan as bases dessa futura oposição. Pensemos que se o estádio do espelho é formador do eu na sua função de desconhecimento (nos faz crer que somos o que na realidade não somos) e, por sua vez, oferece a estrutura ontológica do mundo humano (o mundo duplica este desconhecimento), determina, com isto, que o que parece ser não é e o que é se encontra além de todo parecer.
Tanto a oposição entre ser e parecer quanto o fato de que o ser se encontra além do parecer ordena a experiência analítica e a concepção do fim de análise deste primeiro Lacan. Por isto, no seu escrito de 1949, “O estádio do espelho”, Lacan pensa a experiência analítica como um processo de desidentificação: desidentificação de todas as identificações imaginárias que começarão com a fase do espelho e continuarão com o entorno social; desidentificação de todas essas fissões imaginárias que nos fazem parecer o que na realidade não somos; desidentificação desse falso ser (parecer) para encontrar o nosso ser além do velo imaginário. Por isto, nos diz Lacan, no processo de desidentificação “a psicanálise pode acompanhar o paciente até ao limite extático do ‘Tu és isto’”.
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